quinta-feira, 25 de março de 2010

Uma carta ao rei

2 Crônicas 21.1-20

Elias e Eliseu exerceram o ministério profético por meio da palavra falada e atos de poder espiritual, complementados por vários tipos de ação simbólica. Com exceção do nosso texto básico, as narrativas de suas experiências no cumprimento da missão não fazem referência ao uso, mesmo eventual, da palavra escrita. Neste sentido, representam um estilo primitivo de profecia, aperfeiçoado na sequência pelo trabalho dos grandes profetas literários cujos livros constam da Bíblia.
Apesar disso, não deixaram de escrever, quando necessário. Eram homens de conhecimento, embora vivendo vidas simples e rústicas. A lição que deixam, a propósito, é que quem deseja servir a Deus deve fazê-lo usando todos os recursos disponíveis, procurando preparar-se para viver e expressar a multiforme graça de Deus também de maneira multiforme.
No presente estudo, veremos também como um homem poderoso, com totais condições para ser vitorioso e feliz em tudo pode atrair para si próprio e família os males mais devastadores. A chave do enigma está na maneira como lidou com a questão espiritual, a começar pela escolha da divindade a quem consagrou a vida.

1. A ferro e fogo (vv.1-11)

Filho e sucessor do grande Asa, Jeosafá reinou 25 anos em Judá, fazendo “o que era reto aos olhos do Senhor” (1Rs 42,43), não obstante as desastrosas alianças político-militares que firmou com os reis de Israel. Transmitiu o trono a seu primogênito, Jeorão, que nos oito anos de seu reinado viria a se revelar uma catástrofe em todas as áreas. Casado com Atalia, filha de Acabe, Jeorão abriu espaço para o baalismo em Judá, nos moldes do que fizera no Reino do Norte sua sogra, Jezabel.
Para consolidar-se no poder, matou seus seis irmãos, além de outras lideranças políticas do país (v.4). Construiu santuários de culto aos falsos deuses nos chamados lugares altos, oficializando a idolatria em Jerusalém e Judá. Contudo, a dinastia davídica teve continuidade, graças ao pacto de Deus com Davi e descendentes. A tragédia nacional que o Reino do Norte (Israel) viria a sofrer em 722 a.C., com o posterior desaparecimento das dez tribos que o compunham, o Reino do Sul (Judá) só viria a enfrentar quase um século e meio depois, e ainda assim sem a destruição das duas tribos remanescentes, Judá e Benjamim.

2. Edom se rebela (vv.8-10)

Uma das consequências previsíveis do mau governo de Jeorão era o fracasso de sua política externa. Desde Esaú e Jacó, edomitas e israelitas travavam uma espécie de queda de braço militar, com seguidas escaramuças na fronteira sudeste e sudoeste do mar Morto. Apesar de suas fortes alianças com povos vizinhos, os edomitas tinham sido subjugados por Judá no período de Jeosafá. Agora, desafiando o fraco Jeorão, eles se tornaram os rebeldes da região leste, assim como a cidade-Estado de Libna representava os rebeldes a oeste.
Jeosafá enfrentou uma coalizão extremamente forte e, graças à intervenção do Senhor, saiu vencedor (2 Cr 20.1-30). Seu filho, ao contrário, bateu-se contra inimigos muito menos poderosos e, graças ao abandono que votara “ao Senhor, Deus de seus pais” (21.10), acabou fracassando. O segredo da vitória ou do fracasso de uma pessoa consiste exatamente na escolha que faz entre o Deus que não só existe mas opera (Hb 11.6), e os deuses que nem sequer possuem existência real.

3. Assim diz o Senhor (vv.12-15)

Quando Jeorão assumiu o trono, Elias já havia partido. Um kardecista diria que a carta aqui mencionada como tendo sido escrita pelo profeta seria um típico caso de psicografia. Do além, através de um médium, o profeta teria se comunicado na repreensão ao rei de Judá. Considerando, por outro lado, que a Bíblia não oferece qualquer base para este tipo de idéia, como também para a doutrina da reencarnação, a solução para a questão precisará ser buscada em outra parte. Uma das possibilidades é que o cronista tenha trocado o nome de Eliseu, o verdadeiro autor da carta, então vivo e atuante, pelo de Elias.
Outra versão se orienta pela prática comum na Antiguidade, sem exceção da Bíblia, na qual um autor anônimo assina um texto com o nome de uma figura famosa, a fim de atribuir peso intelectual, moral ou espiritual a esse texto. Muita gente pensava que Elias estivesse vivo, escondido em alguma região remota, podendo, assim, escrever a referida carta. Seja como for, o fato é que se Elias não escreveu a carta, seu conteúdo indica claramente que ele podia muito bem tê-lo feito. A mensagem faz igualmente o gênero das alocuções de Eliseu.
Jeorão deve ter estremecido quando leu a correspondência. Seus maus caminhos, longe de Deus e de seus mandamentos, o levavam a um futuro tenebroso. O golpe a que se refere o versículo 14 cumpre-se no 16 e 17. Ele seria derrotado politicamente, perderia patrimônio e família e ficaria mortalmente enfermo. Sua destruição era, como foi, inevitável, porque seu pecado foi agravado pelo fato de que ele conhecia a verdade contida na lei de Deus. A quem muito se dá, muito se cobra.

4. Inimigos no palácio (21.16-17)


O ataque dos filisteus e dos arábios contra Judá não teve o caráter de uma guerra formal, sendo antes uma incursão do tipo guerrilha contra alvos específicos. A palavra profética se cumpre de maneira precisa. O rei perde praticamente tudo, inclusive mulheres e filhos. É poupado apenas Jeoacaz, seu filho mais jovem. Ao contrário de Jó, que pela fé sobreviveu a uma perda semelhante – família, patrimônio e saúde –, Jeorão não teria o seu momento de repetição. Na forma de enfrentar as tempestades da vida, fica mais uma vez evidente a diferença entre o justo e o ímpio.

5. Sem deixar saudades (v.18-20)

O texto não deixa claro o tipo de enfermidade da qual o rei foi acometido, e de que acabaria morrendo, ao final de dois anos de agonia. Além do sofrimento causado pela doença em si, houve a desmoralização pública decorrente do fato de lhe terem saído “as entranhas com a doença” (21.19). Seu funeral não contou com as chamadas pompas fúnebres, devidas às altas figuras do reino. O povo não o pranteou. Seu corpo não foi colocado no sepulcro dos reis, em Jerusalém, mas em outro cemitério da cidade. Para coroar sua triste trajetória, o epitáfio que alguém se pudesse colocaria sobre seu túmulo está no versículo 20: “E foi-se sem deixar saudades”.
Casos como este servem de advertência. Longe de pensar de si nos termos autocomplacentes da fórmula “ainda bem que não sou como ele”, o cristão deve fazer da autocrítica implícita sua estratégia de verdade na vida. Autocrítica implícita é sinônimo de consciência alerta a respeito de como o coração humano é traiçoeiro e de percepção atenta quanto à possibilidade de cometer pecado – ou, de modo mais realista, de qualquer pessoa cometer qualquer pecado.
Do cristão espera-se (e ele deve ser o primeiro a querer isso) que seja cheio do pleno conhecimento da vontade divina, em toda a sabedoria e entendimento espiritual, a fim de que possa andar de maneira digna do Senhor, agradando-lhe em tudo, frutificando em toda a boa obra, e crescendo no conhecimento de Deus (Cl 1.9,10).

Para pensar e agir

Servir a Deus é uma honra e um privilégio. O servo fiel deve fazê-lo com alegria e amor, aproveitando bem cada oportunidade e valendo-se de todos os meios legítimos a seu alcance. Falar, escrever, simbolizar são verbos que o homem ou a mulher de Deus devem conjugar com diligência e eficácia.
Uma outra lição da passagem que estudamos é que o abandono do Deus vivo em favor de deuses falsos traz consequências destruidoras sobre a vida da pessoa e daqueles que dependem dela. Ser fiel a Deus, mesmo em meio às lutas decorrentes desta fidelidade, é sempre melhor do que buscar orientação e refúgio em quem não pode salvar e abençoar.

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