terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Tempo de partir

Texto bíblico: 2 Reis 2.1-25

O texto contém narrativas sobre diversas experiências envolvendo Elias e seu sucessor, Eliseu. É o momento da passagem do manto profético do primeiro para o segundo. A missão do tisbita está cumprida, mas ela terá prosseguimento por intermédio do profeta de Abel-Meolá. Ao longo de uma turbulenta fase da história política e religiosa de Israel, a fidelidade do homem de Deus que parte e a ânsia de servir de seu substituto garantem a continuidade do ministério profético.
Caso se pense em uma frase que resuma com perfeição o espírito da verdadeira vocação profética, o pedido de Eliseu a Elias é exato, a propósito: “Peço-te que me toque por herança porção dobrada do teu espírito (v.9). E caso se pense na imensa responsabilidade que pesa sobre este vocacionado, a resposta de Elias é ainda mais precisa: “Dura coisa pediste” (v.10).

1. Notícia gloriosa (vv.1-6)

A esta altura, circula intensamente nas comunidades de profetas a informação de que Elias seria tomado pelo Senhor e elevado ao céu. Eliseu também sabe disso. Para evitar que ele sofra qualquer dano em uma experiência espiritual para a qual não esteja talvez preparado, Elias lhe diz que fique longe dele. Eliseu se nega a isso, acompanhando-o a Betel, Jericó e ao Jordão.
O versículo 10 demonstra que Eliseu queria ser testemunha de um evento que lhe garantiria o acesso aos segredos de Deus (Am 3.7). Em dados momentos, como no caso do auxiliar de Eliseu, as limitações da fé tornam necessário ver para crer (2Rs 6.15-17). Quando Paulo vê e ouve as coisas inefáveis do terceiro céu, sua vida interior é enormemente enriquecida (2Co 12.1-10).

2. Travessia tranquila (vv.7-14)

É provável que os enfermos mencionados em Mateus 14.36 como tendo sido curados ao tocar nas vestes de Jesus conhecessem o relato bíblico sobre os poderes espirituais presentes no manto que Elias deixa com Eliseu (2.8,14). Atos 19.11,12 focaliza o mesmo tema. O cristão precisa atentar para o perigo da idolatria de coisas, pessoas e lugares, e da gananciosa manipulação que se faz a respeito em arraiais ditos evangélicos. Contudo, isso não deve levá-lo a descrer da extensão ilimitada do poder de Deus.

3. Porção dupla (vv.9,10)

Ao pedir “porção dupla” do espírito de Elias, Eliseu manifesta o desejo de ser um legítimo sucessor do tisbita, com a mesma fé e a mesma intrepidez no agir, e com idêntico êxito no ministério. Quer igualmente ser reconhecido pelos profetas como seu líder (v.15). Sabe que além do poder de Deus, precisa do apoio das pessoas, assim como Elias precisou dele próprio, Eliseu, e de outros tantos em Israel que não dobraram os joelhos a Baal. Como Salomão ao pedir sabedoria (1Rs 3.5-15), Eliseu é sábio o suficiente para buscar em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça (Mt 6.33).
“Dura” ou ”difícil” coisa Eliseu pede a Elias. Na realização de seu ministério profético, é alto o preço pago por um homem sujeito às mesmas paixões que qualquer outro. No caso de Elias, o custo humano de seu integral envolvimento com a obra de Deus traduz-se como vida solitária, luta contínua contra poderosos e implacáveis inimigos e tristeza por ver seu país, dominado pela idolatria, rejeitar o Deus verdadeiro.
O que Eliseu pede a Elias é difícil também pelo fato de que não se consegue senão à custa de uma forte disciplina e intensa concentração de espírito. Espiritualidade é questão de consciência e percepção. Para conhecer sobre o espírito de um verdadeiro profeta, Eliseu precisará estar totalmente atento.

4. Carro de fogo (vv.11,12)

Para uma vida de elevada qualidade espiritual como a de Elias, uma morte convencional era pouco de esperar. O profeta foi arrebatado, subindo aos céus em meio a um redemoinho, transportado em carruagem de fogo. A extraordinária vida de Elias e seu impressionante ministério, acrescidos do fato de que ele não tenha passado pela morte, marcaram de tal modo o imaginário religioso do povo israelita que ele continuou sendo esperado ao longo da história como aquele que viria para reconverter as gerações de Israel à lei de Moisés (Ml 4.5).
Quando Jesus Cristo se reúne no monte da Transfiguração com Elias e Moisés (Lc 9.28-31), a estatura do profeta como um gigante espiritual fica ainda mais bem definida. É o momento em que estão juntas as pessoas nas quais se concentra o maior peso de poder, sabedoria, santidade e graça na Bíblia e na história humana.

5. Procurando em vão (vv.15-18)

“Os filhos dos profetas” insistem em sair à procura de Elias. Eliseu tenta em vão dissuadi-los. O texto diz que ele ficou “envergonhado”. Isso significa que não queria que ficasse parecendo que ele, o novo líder dos profetas, temesse o fato de que Elias continuasse vivo e reassumisse sua posição. Sem nenhum êxito, eles retornam após três dias de busca. Haviam sido movidos ou pela preocupação quanto à integridade física de Elias, ou pelo desejo de que continuasse a viver e eles não tivessem que se adaptar a outro estilo de liderança.
Na realidade, estavam tendo dificuldades em lidar com a mudança. Na vida cristã, erramos tanto quando pensamos que o passado nada tem a nos dizer que nos abençoe e edifique, como quando pensamos que só o que passou pode nos abençoar e edificar.

6. Água e sal (vv.19-22)

É frequente na experiência profética de Elias e Eliseu o uso de elementos simbólicos – números, objetos, elementos naturais – para facilitar a manifestação do poder de Deus. No momento, quando o problema se relaciona com as águas poluídas das fontes de Jericó, é o sal que exerce o papel de elemento purificador. Jericó – ”a cidade das palmeiras” – é considerada uma das cidades mais antigas do mundo. Sua localização na parte baixa do Vale do Jordão remete à visão que Ló teve da região como “regada como o jardim do Senhor” (Gn 13.10).
O poder de Deus opera por meio de Eliseu para tornar saudáveis as águas da cidade. O sal era um elemento indispensável nos sacrifícios do pacto levítico (Lv 2.13; Nm 18.19; 2Cr 13.5). Havia, de fato, um “pacto de sal” entre Deus Israel. A ideia é que este pacto seria estável e duradouro, assim como o sal preserva os alimentos e os mantém utilizáveis ao longo do tempo.
Quando Jesus chama seus discípulos de “sal da terra” (Mt 5.13) está dizendo que somente na base da fé vivida e testemunhada pelos filhos de Deus o mundo tem condições de ter utilidade para si mesmo e para o próprio Deus.

7. Ursas no bosque (vv.23-25)

Aparentemente, a calvície era um fenômeno raro em Israel. Os vastos cabelos de Sansão e Absalão são exaltados como símbolo da força e da beleza masculinas (Jz 16.17; 2Sm 14.25,26). É provável que Eliseu não fosse naturalmente calvo, mas que houvesse rapado a cabeça em luto pela partida de Elias. O fato é que quando “uns meninos” de Betel zombaram dele por ser ou estar calvo, o profeta “os amaldiçoou em nome do Senhor”.
O profeta não reage por si mesmo, mas pelo respeito que se devia a um homem de Deus e à missão profética. A juventude é a época preferencial das atitudes impensadas e dos gestos temerários. É por essa razão que o sábio adverte aos jovens a que se lembrem do Senhor enquanto ainda são jovens (Ec 12.1). Os “maus dias” a que se refere podem ser, como são, as fraquezas e limitações próprias da velhice – mas podem ser também a colheita tardia dos frutos amargos da semeadura de erros e pecados na juventude.

Para pensar e agir

A grandeza de Elias está também numa sucessão profética bem encaminhada. O homem de Deus não pensa só em sua época, mas igualmente no que virá depois dele. A transição entre o ministério do grande profeta e de seu sucessor é um momento de marcantes experiências de fé e de lições espirituais importantes na história religiosa de Israel. Três milênios depois, ainda é possível aprender muito com elas.

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